Notícias fev 20, 2025

Bilinguismo: entre o discurso e a prática

AUTOR:

Carolina Patrício

ASSUNTO:

Notícias

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Escola bilíngue desenvolve proficiência, pensamento crítico e fluência natural entre idiomas.

Por Soraia Dale-Harris

Diretora da Unidade Barra da Escola Bilíngue Carolina Patrício

Na minha infância, não se falava sobre bilinguismo. Pelo menos, não nos espaços pelos quais eu circulava. Quase estranhamente, eu era apaixonada pela língua inglesa, que só chegou até mim quando entrei no que hoje chamamos de Anos Finais do Ensino Fundamental. Foi na 5ª Série, atual 6º Ano, que tive meu primeiro contato formal com o inglês, enquanto muitos dos meus colegas já o estudavam em cursos extracurriculares. E foi ali que me apaixonei pelo idioma.

Sem que eu soubesse, esse momento traçaria o percurso da minha vida. Meu pai, percebendo o interesse, investiu em meus estudos, garantindo que eu tivesse acesso a uma formação mais aprofundada. No entanto, minha jornada não parou por aí. Optei por seguir a carreira de Letras, com ênfase em Português e Inglês, onde aprofundei meus conhecimentos em literatura e fundamentos linguísticos.

Mais tarde, o destino me levou ainda mais fundo a esse universo: casei-me com um cidadão inglês e construí uma família bilíngue, na qual o inglês se tornou a língua do cotidiano, da criação de meus filhos e de suas primeiras interações com o mundo.

Essa introdução pode parecer autobiográfica, mas meu objetivo aqui não é contar minha história. O que me traz a este debate é a compreensão do bilinguismo como fenômeno complexo e, ao mesmo tempo, essencial na formação de indivíduos preparados para um mundo cada vez mais globalizado. O tema esteve presente em minha trajetória e se tornou pauta de muito estudo e reflexão, impulsionado por grandes pensadores e pesquisadores da área.

Bilinguismo como ferramenta de solução

O psicólogo e linguista suíço François Grosjean, uma das principais referências no estudo do bilinguismo, afirma: “o bilíngue não é dois monolíngues em uma só pessoa.” Essa frase é crucial. Compreender o bilinguismo exige uma visão ampliada, capaz de perceber as interações entre idiomas e culturas como um sistema integrado, e não como compartimentos isolados na mente.

Nesse sentido, a metáfora clássica que aprendemos em Física – de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo – simplesmente não se aplica ao bilinguismo. Aqui, dois sistemas linguísticos coexistem, interagem e, mais do que isso, precisam dividir o mesmo espaço mental. Quando essa integração não acontece, o bilinguismo não se manifesta de forma plena e genuína.

Essa abordagem nos leva a Jim Cummins, outro pesquisador fundamental na área. Ele argumenta que a diversidade linguística deve ser vista como um recurso e não como um problema. O bilinguismo, portanto, não é apenas uma das habilidades do século 21, mas uma ferramenta de solução para um mundo que exige perspectivas multifacetadas.

No contexto educacional, essa visão se alinha com a missão do International Baccalaureate (IB) — lembrando que a Escola Bilíngue Carolina Patrício é uma IB Candidate School —, que busca formar cidadãos capazes de tornar o mundo melhor. E tornar o mundo melhor implica desenvolver indivíduos preparados para lidar com desafios complexos, que demandam soluções inovadoras e humanizadas.

Colin Baker reforça essa ideia ao afirmar que o bilinguismo enriquece tanto indivíduos quanto sociedades. Já Ellen Bialystok nos mostra, a partir da Neurociência, que o cérebro bilíngue opera de maneira diferente, criando conexões, aumentando a flexibilidade cognitiva e até retardando o declínio neurológico. Essa perspectiva se alinha à de Ofelia García, que sustenta que o bilíngue não possui dois sistemas linguísticos isolados, mas sim um repertório único, dinâmico e interligado.

Kenji Hakuta, outro nome de peso, destaca que o bilinguismo é uma oportunidade a ser abraçada. E essa afirmação nos leva a um ponto central: a banalização do conceito de bilinguismo. Hoje, é amplamente utilizado, mas nem sempre com a seriedade que exige. Muitas instituições se apropriam do rótulo “bilíngue” sem oferecer, de fato, uma educação que promova o desenvolvimento pleno dessa competência.

Responsabilidade das escolas na formação bilíngue

Como educadores, temos a responsabilidade de informar e orientar as famílias que desejam essa formação para seus filhos, mas que nem sempre dispõem do conhecimento necessário para avaliar a qualidade das propostas oferecidas. E essa é uma responsabilidade ética. Escola não é um rótulo. Escola é um compromisso de longo prazo, que caminha lado a lado com as famílias, oferecendo-lhes uma base pedagógica sólida, de educação humanizada e responsável.

O que realmente significa ser uma escola bilíngue? Significa proporcionar uma experiência em que o aluno navegue entre os idiomas de forma natural, desenvolvendo proficiência e pensamento crítico em ambas as línguas. Significa respeitar as pesquisas na área e construir uma proposta pedagógica que vá além da inserção superficial de uma segunda língua no currículo.

O desafio não é pequeno. Vivemos em um mundo que não é linear, nem protegido por bolhas familiares. Nossos alunos precisarão transitar entre diferentes culturas, idiomas e realidades ao longo de suas vidas acadêmicas e profissionais. E é papel da escola prepará-los para isso de maneira genuína.

Portanto, se o bilinguismo é um conceito tão poderoso e transformador, não podemos permitir que ele seja reduzido a uma estratégia comercial ou a uma promessa vazia. Precisamos assegurar que as crianças e os jovens que passam por uma educação bilíngue colham realmente os benefícios que a Ciência, a Pedagogia e os grandes pensadores nos mostram.

O bilinguismo de verdade forma cidadãos globais, preparados para enfrentar desafios e propor soluções para um mundo cada vez mais interconectado. Como educadores, temos a obrigação de oferecer esse caminho com seriedade, compromisso e respeito pelo futuro daqueles que confiam em nós.

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